Por Roberto Jefferson Normando*
Publicado originalmente no Brasil de Fato PB
“Todo Cambia” – [Mercedes Sosa]
“…Saibam que, antes do que se pensa,
de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre,
para construir uma sociedade melhor”.
[Trecho do Último discurso de Salvador Allende]
Atrevo-me a escrever algumas linhas sobre a esquerda de Campina Grande, já dizendo que não conseguirei falar de tudo, nem de todos/as e com ausências de tantas questões importantes para pensarmos o presente e o futuro das Esquerdas.
A voz da cantora e ativista Mercedes Sosa eternizou a canção Todo Cambia; tudo muda, tudo se transforma, é possível mudar. Aqui toca a mística da inquietude da Esquerda: mudança é uma palavra da alma da esquerda, ou seja, ser de esquerda é ser inconformado com a realidade; é partir no cotidiano das lutas na aventura da mudança; é acreditar que é possível construir as condições objetivas dos processos mudancistas.
Não há conservadorismo e autoritarismo que impeça ou mate a mística da mudança. Mudar não é apenas uma palavra de ordem para ser gritada, é uma das razões das Esquerdas se articularem e construírem projetos que vão dar concretude e força para as transformações necessárias.
Outra palavra, tão importante quanto, é a igualdade. Ser de esquerda é trabalhar diariamente pela igualdade! Uma igualdade centro de um projeto político plural, que potencialize a nossa diversidade e radicalize a democracia na construção de uma sociedade justa e ecologicamente sustentável.
Campina Grande, é conhecida por muitos como uma cidade conservadora, reacionária, como a cidade tucana do nordeste (do que em parte discordo, mas isso será tema de outro artigo).
É verdade que o campo conservador local cresceu, se articulou; que a maioria dos eleitores em 2018, por exemplo, votaram em Jair Bolsonaro para Presidente da República; que o discurso da extrema-direita avançou na cidade; que por décadas a cidade é administrada pelos mesmos grupos políticos familiares que, na maioria das vezes, tem uma prática conservadora à direita, mesmo que em tantas outras ocasiões o discurso para ganhar as eleições tenha um tom mais progressista, ou ainda busquem alianças com setores representativos dessa perspectiva.
Essa atuação conservadora é inegável e para comprovar isso basta observar a composição da Câmara de Vereadores/as nas últimas legislaturas. Mas isso, realmente, significa dizer que os eleitores/as e a cidade são conservadores? Ou significa que há uma disputa latente e patente entre
conservadores e progressistas na cidade? Uma pergunta sagaz precisa ser feita: o campo progressista e de esquerda pode virar o jogo atual e ganhar maioria?
Olhemos alguns números
É importante lembrar os números das eleições do segundo turno de 2018: Jair Bolsonaro foi eleito com 56, 30% (126.554 votos) e Fernando Haddad contou com 43,70% (98.243 votos); uma diferença numérica de 28.311 votos. Votos apenas computados para os dois candidatos, sem contar os/as eleitores/as que fizeram a opção pela abstenção, pelo voto em branco ou nulo.
É possível fazer várias leituras desse resultado. Alguns vão lembrar que eleição em âmbito nacional tem peso diferente de eleição municipal, o que não deixa de ser verdade. Mas aqui quero refletir o não baixo potencial do voto progressista e de esquerda,
O segundo turno de 2018 demonstrou muito bem esse fato, sendo também resultado de uma ampla ação de unidade e mobilização durante aquela etapa do pleito eleitoral. O espaço de conquista e crescimento para o campo progressista e de esquerda é real e está aberto.
Analisemos a votação da eleição de 2016 para a prefeitura de Campina Grande: Romero Rodrigues e as forças tradicionais da cidade obtiveram 62, 85% dos votos e as oposições somadas tiveram 35, 84% dos votos; já em 2020, as forças tradicionais lideradas por Bruno Cunha Lima alcançaram 54, 58% dos votos e as oposições somadas alcançaram 45,42% dos votos, sem contar os eleitores que optaram pelo voto em branco, nulo e as abstenções.
O voto nas oposições cresceu de 2016 para 2020 (só destaco aqui essas duas eleições; em outro momento escreverei sobre os resultados eleitorais desde os anos 1970 para refletir como o campo progressista se movimentou). Temos um espaço importante e potencial de conquista das mentes e corações para um ciclo progressista e de esquerda na cidade.
Será fácil? Não. Será amanhã? ainda não. Mas é possível virar o jogo!
É possível ampliar a presença tanto no parlamento municipal, quanto, num futuro próximo, ganhar as eleições para o Executivo Municipal.
Ter a Vereadora Jô Oliveira, primeira mulher negra, e de esquerda, na Câmara Municipal, foi um feito fantástico e decorre como resultado de uma mobilização que não é de hoje. Sua atuação tem sido cada vez mais vibrante marcando esse campo e pautada por muito diálogo com todas as forças progressistas. Destaco ainda alguns vereadores da oposição que tem se movimentado na defesa das pautas progressistas e de diálogo com as Esquerdas.
Bom rememorar que a Esquerda campinense teve seus representantes em legislaturas passadas, ainda que um, dois ou três em cada uma das tais, mas sempre mandatos atuantes com as tarefas do seu tempo, a exemplo de Márcio Rocha, Ivan Freire, Cozete Barbosa, do grande Antonio Pereira, Napoleão Maracajá, Anderson Maia e tantos outros/as ao longo das décadas passadas, para citar nominalmente alguns desses.
A candidatura de Olímpio Rocha, do PSOL, ao Executivo Municipal deu uma contribuição valiosa e ampliou a votação do Partido de forma bastante significativa, incrementando o aumento da participação da esquerda na disputa eleitoral pela prefeitura. E mesmo o PcdoB, saindo com um candidato sem trajetória de Esquerda, pôde lograr o terceiro lugar , apresentando-se como mais um partido de esquerda na disputa pela cidade.
E mais, podemos ver essa sanha pela mudança justamente nos movimentos que a própria cidade tem acolhido: a atuação de Movimentos Sociais, dos Sindicatos, das ONGS e Coletivos, das batalhas, das greves, das manifestações e protestos, da luta dos estudantes, das Cooperativas de catadores de materiais recicláveis e tantos outros ativistas culturais, do Movimento Negro, do Movimento das Mulheres, dinâmicas sociais sempre presentes nas ruas de Campina, conferindo a vitalidade desse campo Progressista e de Esquerda das lutas e mobilizações.
Poderíamos, ainda nesse sentido, citar alguns outros exemplos: as lutas e mobilizações contra o racismo, tão presente ainda hoje; as mobilizações recentes contra as reformas da previdência e trabalhista, a Greve Geral, o “Ele Não”, a campanha pelo “Fora Bolsonaro”, isso só para lembrar de alguns momentos, com seus erros, acertos e insucessos e vitórias.
Outro bom exemplo da atuação Progressista e das nossas Esquerdas se encontra justamente na luta pela igualdade e pela justiça ambiental a partir das Universidades e do compromisso com essas bandeiras já na Educação básica. Também podemos encontrar e entender essa atuação no âmbito da Ciência, Tecnologia e Inovação, tanto como parte da/na compreensão dessa cidade, quanto como parte da compreensão do semiárido nordestino, com suas dores e potencialidades, sugerindo a existência sempre presente e atuante de um pensamento à Esquerda.
Outra importante ênfase para o entendimento do alcance da atuação desse pensamento progressista se encontra nas Organizações de Campina Grande e região que atuam no campo e constroem a Articulação do Semiárido – ASA. Toda a mobilização pela vida do/no seminário, em prol da Agricultura Familiar e agroecológica, da construção e viabilização das cisternas de placa, em favor da Reforma Agrária e tantos outros avanços.
Ainda em Campina Grande, a Frente pelo Direito à Cidade articula outras organizações, grupos de pesquisas e ONGS na luta por uma Agenda Urbana que planeje a cidade numa perspectiva da justiça social e ambiental e, politicamente falando, o Fórum Pŕo Campina foi e continua sendo um espaço importante de diálogo, unidade e reflexão sobre a cidade e as inúmeras tarefas para o crescimento da centro-esquerda campinense.
Indicação de algumas tarefas
A primeira tarefa é acreditar que uma outra Campina Grande é possível.
Uma Campina Progressista! uma cidade que se depare com as suas contradições, as suas imensas desigualdades, injustiça social, um território de segregação e de injustiças ambientais, que necessitam de formulações, de novas propostas e força política capaz de liderar as necessárias mudanças.
Outra grande tarefa é a da unidade, o que não é fácil e precisa ser mais que um jargão, partindo para o compromisso de alma, que não negue as diferenças, os conflitos, as divergências, as mágoas e até a falsidade em algumas situações, principalmente em momentos eleitorais; feridas que muitas vezes não são tratadas e nem curadas.
É verdade primária que também precisamos de um compromisso com a sinceridade e com as oportunidades de conversa “olho no olho” para perguntar se aquilo realmente aconteceu ou é intriga matreira ou mesmo calúnia. Conversa no olho para entender os conflitos e, construir pontes e acordos duradouros onde o centro é o projeto de uma cidade democrática e plena de justiça social e ambiental. A mística e a força desse sonho/projeto devem ser o bom combustível para buscarmos e alcançarmos a unidade, as convergências possíveis e mesmo as reconciliações necessárias.
Atrevo-me a dizer que esse caminho de Unidade, Diálogo e Reconciliações começa no interior de cada Partido, Movimento, Sindicato, Coletivo ou Organização, e atravessa todas essas forças. A autocrŕitica e revisão da nossa prática deve ser uma tarefa cotidiana e indispensável na construção de um ciclo progressista.
Precisamos pensar numa Agenda Programática que consiga refletir toda a realidade do município e tenha propostas para os diversos problemas, que se conecte com o território e acima de tudo, seja capaz de escutar e aprender com a população. Um pensamento progressista sobre e para Campina Grande; proposições para o mundo do trabalho, para o campo educacional; para a Ciência, Tecnologia e Inovação, para o campo da cultura, para as nossas periferias, para as juventudes, para a superação do racismo, lgbtfobia e dos diversos preconceitos que ainda sustentamos e que possa radicalizar a defesa dos direitos humanos. Qual modelo de desenvolvimento local, qual economia e tantas outras áreas e políticas públicas… O que queremos propor?
Sem conclusão
Enfim, não quero negar a existência de um pólo conservador na cidade, nas Instituições e em outras áreas. Quero afirmar que a tarefa primordial da Esquerda é mudar as coisas, é provocar os processos transformadores, é de não se conformar com o fato da cidade ser ou não ser conservadora, mas de não abrir mão de mudar a realidade e construir as oportunidades para um Ciclo Progressista e de Esquerda para Campina Grande!
Vamos em frente?!
Caminhemos! Saudaçṍes Ecossocialistas!
Roberto Jefferson Normando tem ormação em Filosofia Coordenador do Fórum Pró Campina; Fundador e membro da atual direção do PSOL PB
Edição: Heloisa de Sousa